O Comitê Olímpico do Brasil (COB), clubes, ligas e confederações de basquete, vôlei e outras modalidades esportivas podem ter suas dívidas com a União reduzidas se aderirem a um programa de modernização de gestão para o esporte, proposto no Projeto de Lei do Senado (PL 2.832/2019). O texto é semelhante ao Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), que virou lei em 2015 para ajudar os endividados times de futebol no Brasil. Apresentada pela senadora Leila Barros (PSB-DF), a proposta foi aprovada por unanimidade na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) nesta terça-feira (20). O texto segue para votação nas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE), que dará a palavra final sobre o projeto.
O PL 2.832/2019 institui o Programa de Modernização da Gestão do Esporte Brasileiro (Proesp) para “garantir a sustentabilidade e fortalecer a governança, a transparência e a gestão democrática” das entidades. De acordo com o projeto, as dívidas podem ser parceladas em até 20 anos (240 meses), com juros calculados pela taxa Selic mais 1%. O valor de cada parcela não pode ser inferior a R$ 5 mil.
Ao aderir ao Proesp, a entidade que recebe recursos de loterias deve autorizar a retenção de até 20% do valor para o pagamento dos débitos com a União. O projeto determina ainda a publicação e a auditoria independente das demonstrações contábeis por modalidade esportiva; e a aplicação de 30% dos recursos públicos recebidos pelas entidades nas categorias de base (treinamento de crianças e jovens antes da profissionalização esportiva), devendo esse investimento ser efetuado de maneira equânime entre as modalidades masculinas e femininas.
As regras valem para débitos de natureza fiscal, administrativa, trabalhista ou previdenciária, inscritos ou não como dívida ativa. O texto mantém a cobrança integral de correção monetária sobre o principal da dívida, mas as entidades podem ser beneficiadas com descontos de 90% sobre o valor das multas, 80% dos juros e 100% dos encargos legais. O PL prevê ainda um redutor gradual para o valor das prestações: 50% de abatimento da 1ª à 24ª mensalidades; 25% da 25ª à 48ª; e 10% da 49ª à 60ª.
A proposta da senadora Leila Barros também permite o parcelamento de dívidas das entidades com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e com contribuições sociais, que poderão ser divididas em até 15 anos (180 meses).
Para Leila, a medida constrói alternativas para garantir a continuidade e a sustentabilidade financeira das entidades. Ela argumenta que os integrantes do Sistema Nacional de Desporto enfrentam problemas financeiros provocados pelos Jogos Olímpicos de 2016 e pela Copa do Mundo de 2014. Ela reforçou que, ao contrário do que noticiaram alguns veículos de comunicação, o projeto não atende a nenhum lobby do COB, de confederações esportivas ou da Secretaria Especial do Esporte, ligada ao Ministério da Cidadania.
— O Proesp vem de uma atleta. Esta é uma das minha bandeiras nesta Casa. Neste projeto, a gente está querendo aprimorar a governança e a transparência nas entidades esportivas. Sabemos o quanto foram escandalosos os problemas na gestão dessas entidades esportivas depois desses grandes eventos. Não queremos perdoar dívida. Queremos que essas confederações deem transparência a suas gestões para que o esporte não pague por eles, para que os atletas não paguem por eles – disse.
Leila alertou que o esporte nacional corre risco de falir em meio à crise financeira e afirmou que muitas confederações e clubes não têm condições de pagar suas dívidas.
— Não existirá pagamento, existirá a falência do esporte nacional. Já vivemos um momento triste na nossa economia e isso se reflete nos patrocínios, na sobrevivência do esporte.
O texto em análise é um substitutivo do relator, senador Jorge Kajuru (Patriota-GO). No projeto original, todas as pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto poderiam aderir ao programa, o que abriria espaço para que clubes de futebol já atendidos pelo Profut tivessem a oportunidade de aderir também ao Proesp. Kajuru vetou a participação de entidades já beneficiadas por programas de regularização fiscal (Refis) anteriores:
“Não podem ser objeto de parcelamento débitos que tenham já sido atendidos por outros financiamentos. Por isso, qualquer referência a que o Proesp favoreça esses débitos deve ser retirada”, defendeu o senador ao apresentar o texto alternativo.
Gestão temerária
Para permanecer no programa, a entidade deve cumprir exigências criadas pela Lei Pelé (Lei 9.615, de 1998), como estar em dia com as obrigações fiscais e trabalhistas. O PL 2.832/2019 também exige que a entidade tenha dirigentes com mandato máximo de quatro anos; seja transparente na gestão, inclusive em relação a dados financeiros, contratos, patrocinadores e direitos de imagem; e garanta a representação dos atletas em órgãos e conselhos técnicos responsáveis pelos regulamentos de competições.
O texto ainda endurece o combate ao crime de gestão temerária no esporte, repetindo dispositivos da Lei do Profut e inserindo-os na Lei Pelé. Para aderir ao Proesp, a entidade deve incluir no estatuto social a previsão de “afastamento imediato e inelegibilidade”, por pelo menos cinco anos, de dirigentes e administradores envolvidos com esse tipo de ilegalidade.
A proposta lista quais atos são classificados como gestão irregular ou temerária: atitudes que revelam “desvio de finalidade” ou geram “risco excessivo e irresponsável para o patrimônio” da entidade, entre eles, aplicar bens sociais em proveito próprio ou de terceiros; obter vantagem que resulte prejuízo à entidade; celebrar contrato com empresa de parentes; receber recursos de terceiros que tenham celebrado contrato com a entidade; e deixar de prestar contas de recursos públicos recebidos.
O projeto prevê que bens particulares dos dirigentes, no caso de irregularidades, sejam usados para o ressarcimento de danos e que esses gestores respondam “solidária e ilimitadamente” por atos ilícitos ou contrários ao estatuto da entidade. A regra também vale para o administrador que acobertar desvios de direções anteriores.
Caberia à Assembleia Geral da entidade decidir sobre a apuração de responsabilidade dos cartolas. Caso seja constatada a irregularidade, o dirigente é considerado inelegível por dez anos para cargos eletivos em qualquer entidade desportiva profissional. Ele também ficaria sujeito ao ressarcimento dos prejuízos.
Fiscalização
O relator, Jorge Kajuru, também propõe transformar Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT), criada pela Lei do Profut, em Autoridade Pública de Governança do Esporte (APGE), para garantir a fiscalização da nova lei. O senador disse ver com reservas os refinanciamentos de débitos de natureza fiscal, administrativa, trabalhista ou previdenciária para empresas de qualquer natureza, mas ressaltou a situação delicada dos clubes e entidades desportivas:
“Consideramos, contudo, relevante para o esporte brasileiro, representado, sobretudo, pelos pequenos clubes das várias modalidades esportivas. Todos devem ter o mesmo tratamento das entidades desportivas profissionais de futebol, que foram favorecidas com o financiamento de seus débitos pelo Profut há poucos anos”, defendeu.
Impacto financeiro
Ao apoiarem a proposta, os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Cid Gomes (PDT-CE) destacaram que o esporte e os atletas não podem ser punidos em razão da má gestão de dirigentes.
— É um absurdo que a partir da má gestão de pessoas você penalize uma entidade e, em consequência disso, milhares de atletas passem a ter problemas. Pior do que parcelar a dívida é não receber o pagamento – avaliou Cid.
O senador Major Olimpio (PSL-SP) sugeriu inicialmente que a votação da proposta fosse realizada depois que a Receita Federal encaminhasse um relatório de impacto financeiro da medida, mas foi convencido pelo presidente da CAE, Omar Aziz (PSD-AM), e por outros senadores, de que era suficiente a anexação posterior do relatório fiscal.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)