O boxe brasileiro voltou dos Jogos Pan-Americanos de Lima com seis medalhas — melhor desempenho desde 1963, quando São Paulo foi sede do evento. Metade dos pódios foi da seleção feminina, inclusive com o ouro, inédito, da baiana Beatriz Ferreira. As paulistas Jucielen Romeu (prata) e Flávia Figueiredo (bronze) também chegaram lá. Mas, entre elas, há mais em comum do que as conquistas: o início no esporte.
“Teve uma época em que eu até tive uma companheira de treino. Mas, depois que ela saiu, só fiquei eu de menina. Então, treinava sempre com os meninos. O que me ajudou bastante, porque eles são mais fortes, então acho que ganhei uma resistência a mais. Mas, faz falta ter mais meninas no meio. Não só em questão de treino, mas na conversa, na convivência”, contou Jucielen, que é de Rio Claro (SP).
“Eu acho que ainda são poucas as meninas que têm coragem e iniciativa de estar participando de campeonatos”, analisou Beatriz, que nasceu em Salvador e começou no boxe treinada pelo pai, Raimundo Ferreira, o “Sergipe”, bicampeão brasileiro.
O histórico da modalidade ajuda a compreender. Apesar de o boxe feminino ter estreado junto do masculino na Olimpíada de 1904, em Saint Louis, nos Estados Unidos, elas só voltaram aos ringues do maior evento do esporte mundial em 2012, em Londres, no Reino Unido. Por aqui, não foi diferente. O Campeonato Brasileiro masculino teve 73 edições — a última, no ano passado, contou com 127 lutadores. O feminino está na 17ª temporada, que reuniu 40 pugilistas. Para Flávia, a falta de um espelho na modalidade costumava minar o interesse e o surgimento de novas atletas.
“Tenho quase certeza absoluta que tem um monte de menina querendo lutar boxe. Mas, não há quem as acolha. Eu mesma não tinha pretensão de virar atleta porque não via uma referência feminina. Só de filmes, como ‘Menina de Ouro'”, comentou.
REFERÊNCIA
Mas Maggie Fitzgerald, personagem de Hillary Swank na obra ganhadora de quatro prêmios Oscar em 2005, não precisa mais ser a única inspiração das novas gerações. Em 2012, a baiana Adriana Araújo conquistou o bronze na Olimpíada de Londres — a primeira medalha do pugilismo feminino do país. Em 2017, a paulista Rose Volante entrou para o time de Éder Jofre, Miguel de Oliveira, Acelino Popó e Valdemir Sertão ao se sagrar campeã mundial da modalidade em nível profissional (o boxe olímpico é considerado amador), sendo a primeira brasileira a chegar lá. E agora, as medalhistas do Pan de Lima dão sequência à fase vitoriosa da chamada nobre arte.
“Tem muitas meninas que treinam, mas ainda não competem. Depois da visibilidade do Pan, elas me mandam mensagens, falando que se inspiram na gente, que querem começar a treinar para valer e competir. Quando trazemos um resultado expressivo de um campeonato importante, despertamos a vontade nelas, a curiosidade e a coragem”, destacou Jucielen.
O desafio, agora, é preparar o esporte para o surgimento de novos talentos. O Brasileiro Juvenil Feminino, disputado há quatro anos, já revelou a carioca Rebeca Lima, que no ano passado foi bronze no Mundial da categoria.
“Eu comecei velha, com 18 anos. Então, não tive base, e na minha cidade realmente não tinham meninas. Mas, acredito que a ascensão do boxe feminino passa pelas categorias de base, onde ensinamos os fundamentos para que elas cheguem experientes e consistentes no ringue, para competir em alto rendimento”, avaliou Flávia, que é de Campinas (SP).
SEQUÊNCIA
O próximo desafio da seleção feminina de boxe é o Mundial Adulto, na Rússia, em outubro. No início do ano que vem, será a vez do Pré-Olímpico, na Argentina. Campeã pan-americana, Beatriz torce para que o desempenho das brasileiras nas competições siga inspirando o surgimento de novas pugilistas.
“Espero que estejamos passando uma imagem positiva, encorajando essas meninas a levantar mais ainda o esporte. A gente está mostrando que não é impossível, que o boxe feminino pode bater de frente e fazer história como o masculino”, finalizou.
Edição: Verônica Dalcanal