Após 20 anos de negociações, o Mercosul e a União Europeia fecharam acordo no último dia 28 de junho. Os efeitos práticos da decisão não são imediatos, avaliam especialistas, mas afastam as dúvidas sobre a sobrevivência do bloco sul-americano. Estão previstas etapas de transição, com abertura de mercados e redução das tarifas, que levarão até dez anos para serem concluídas.
“A perspectiva do acordo dá ao Mercosul uma nova agenda para os próximos anos. O bloco vinha estagnado. Agora, de uma vez por todas, se deixa de lado a discussão sobre a validade do Mercosul. Estamos falando de dois importantes mercados, como são o Mercosul e União Europeia, que finalmente chegaram a um acordo”, disse hoje (15) Antonio Carámbula, diretor-executivo da Uruguay XXI, agência uruguaia de promoção de exportações e investimentos.
Para Carámbula, o acordo com a União Europeia é o mais importante do ponto de vista comercial desde o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul há quase 30 anos. “Foram mais de 20 anos de esforço para conseguir esse acordo. Tendo em conta os fenômenos protecionistas que estão acontecendo no mundo, o comércio como ferramenta de desenvolvimento mostra qual deve ser o caminho”, disse à Agência Brasil.
O acordo, apesar de atingir alguns setores mais sensíveis, como é o caso dos lácteos e dos vinhos, é visto com bons olhos pelo mercado uruguaio.
“O Uruguai tem estabilidade política, econômica, segurança jurídica, um crescimento contínuo e investimentos em tecnologia. É um país ideal para investir e, daqui, exportar para mercados mais amplos. Somos um importante produtor de alimentos, com 3,5 milhões de habitantes, 12 milhões de cabeça de gado, produzimos alimentos para mais de 30 milhões de pessoas, e podemos chegar a mais de 50 milhões em poucos anos”, disse Carámbula.
Vinhos e carnes
Quanto ao mercado de vinhos, o receio dos uruguaios não é em relação ao mercado interno do país. Está relacionado à entrada de vinhos europeus no mercado brasileiro, por exemplo, a preços mais competitivos. Para Carámbula, essa competição com os países vizinhos pode gerar inconvenientes e desafios, mas ele acredita que o Uruguai não será negativamente impactado.
“O vinho é um produto muito importante para o Uruguai, está associado à nossa marca país, como destino gastronômico, pela qualidade das nossas carnes e nossos vinhos, especialmente o Tannat, que é uma variedade de uva que dá praticamente só aqui no Uruguai. Mas acredito que temos a possibilidade de seguir sendo muito competitivos.”
“Para se ter uma ideia, pagamos de tarifa à União Europeia mais de US$ 100 milhões de dólares ao ano. E praticamente 80% corresponde à carne. O acordo vai permitir ao Uruguai eliminar essas tarifas.”
De acordo com documento divulgado pelo governo uruguaio na semana passada, cálculos primários estimam um benefício entre 40 e 70 milhões de dólares anualmente, no setor das carnes.
Mel
Os empresários do setor da apicultura também estão atentos. Para o uruguaio Fernando Camps, que produz e exporta mel, não há efeitos concretos a curto prazo, mas a notícia do acordo foi boa.
“Somos cautelosos porque esse primeiro acordo é político, não vai ocorrer a curto prazo, mas a longo prazo. Faltam muitas etapas e o processo de ratificação acontece em vários países, aqui e lá [na Europa] e passa pelos parlamentos. Mas a notícia é boa, é melhor que se comece a avançar, faz 20 anos que esperamos um acordo desse tipo”, disse.
Camps disse que Brasil, Argentina e Uruguai são os principais produtores e exportadores de mel da região e produzem muito mais do que consomem. “É o oposto do que ocorre nos países do Norte, principalmente Europa e Estados Unidos. Hoje em dia, o Uruguai exporta mais de 50% do mel produzido para a Europa. Mas o negócio do mel é muito dinâmico, pode mudar e passar a exportar para os Estados Unidos, por exemplo, muito rapidamente”.
Segundo Camps, o acordo, de certa maneira, visa proteger os mercados de futuros desequilíbrios.
“O importante é que estabelece uma cota de 45 mil toneladas de mel, que poderá ser exportado para a Europa sem tarifas, a ser implementada dentro de cinco anos. Não é muito mais do que se vende para a Europa hoje em dia. Então, acreditamos que a cota marca um limite para que não mude tanto a estrutura, que vendamos o mesmo ou um pouquinho mais, mas não muito mais. A ideia é manter certa estabilidade nos volumes, ao menos nos primeiros anos do acordo, e não gerar problemas com outros mercados”, defende Camps.
Apenas no setor de mel, os cálculos primários estimam um benefício de cerca de 5 milhões de dólares anualmente.
Segundo documento elaborado conjuntamente pelo Ministério de Economia e Finanças do Uruguai e o Instituto Uruguay XXI, em 2016, as exportações uruguaias pagam anualmente US$ 270 milhões de tarifas, dos quais 40% (US$ 106 milhões) correspondem a tarifas pagas por exportações para a UE.
Concretização
Para valer, o acordo ainda precisa ser aprovado pelos parlamentos dos países de cada um dos blocos. A expectativa do Ministério da Agricultura do Brasil é que isso ocorra no prazo de um a dois anos. Os países que não ratificarem não terão direito às condições definidas.
Para o governo uruguaio, o Mercosul vem apostando sistematicamente em sua integração ao mundo. O acordo com a União Europeia foi só o primeiro de uma série que conta com o EFTA (área de libre comércio formada pela Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e, ainda, com Canadá, Coreia do Sul e Singapura. A abertura para o mercado europeu deve ajudar a modernizar o bloco sul-americano, por meio da adoção de práticas mais transparentes e inovadoras.
O Ministério das Relações Exteriores do Uruguai definiu o acordo como “amplo e equilibrado” e que compreende um processo de integração com um comércio recíproco total de aproximadamente US$ 90 bilhões.
A UE é o segundo destino comercial do Mercosul, assim como o segundo destino das exportações uruguaias, ficando atrás da China. Cerca de 20% das exportações uruguaias vão para a Europa, com destaques para a carne bovina, celulose, madeira, arroz, couros, cítricos e mel.